Caso envolve conselheiro Osmar Domingues Jeronymo, do Tribunal de Contas do Estado, investigado na Operação Ultima Ratio
“Eles tiraram meu patrimônio, meu dinheiro, minha família e a minha liberdade”, lamenta a viúva Marta Martins de Albuquerque, vítima da suposta organização criminosa comanda pelo conselheiro Osmar Domingues Jeronymo, do Tribunal de Contas do Estado. Ao perder a Fazenda Paulicéia, área de 592 hectares em Maracaju avaliada em aproximadamente R$ 85 milhões, ela chegou a ser considerada “louca” pela família, amigos e até advogado.
O principal motivo foi a falsificação do documento de venda da fazenda no Cartório de Registro Civil e Tabelionato de Notas do São Pedro do Paraná (PR). Ao ver o registro da escritura, ela mesmo admitir que a assinatura era semelhante a sua grafia, mas insistiu que nunca tinha assinado o documento.
Perícia grafotécnica da Polícia Federal confirmou que houve falsificação da escritura. O início da investigação do caso transformou, literalmente, a vida da pecuarista e empresária num inferno. Sem casa e se sentindo perseguida, ela passou a pernoitar na casa de amigos e até ficou “escondida” por quase um ano em um condomínio em São Paulo. Também passou dois meses sumida em uma fazenda no interior do Estado.
Nos últimos meses, após a deflagração da Operação Ultima Ratio, o maior escândalo de corrupção e venda de sentença na história da Justiça estadual, que levou a investigação de sete desembargadores, um juiz e um conselheiro do TCE, Marta conta que recebeu um recado para “sumir”. Também recebeu proposta de acordo por parte dos filhos dos desembargadores.
Na semana passada, ela tomou a decisão de que não pretende ficar mais como anônima. “Não vou me esconder mais, se eles quiserem, que me matem”, desafiou. A entrevista exclusiva, concedida ao site O Jacaré na tarde de sexta-feira na Paróquia Imaculado Coração de Maria, no Bairro Carandá Bosque.
De milionária a "pobre"
Marta ficou viúva após o marido, Maurício Corrêa Garcia, morrer em um acidente automobilístico há quase 30 anos. De herança, a fazenda de 5 mil hectares foi dividida entre ela e os três filhos.
O pesadelo começou em 2013 quando emprestou R$ 450 mil do médico Percival Henrique de Souza Fernandes. Em 2015, mais R$ 950 mil. Como garantia, ela repassou ao amigo, de quem sempre costumava obter financiamentos, 592 hectares da Fazenda Paulicéia.
Há 10 anos, o irmão, que administrava as empresas, pediu novo empréstimo de R$ 700 mil. Percivel sugeriu Diego Moya Jeronymo, sobrinho do conselheiro do TCE. Ele emprestou R$ 2 milhões, o que incluiu a quitação dos empréstimos com Percival Fernandes e os R$ 700 mil necessários para os negócios.
Ao tomar conhecimento, Marta procurou Diego e se prontificou a quitar o empréstimo de R$ 2 milhões e recuperar a fazenda. O sobrinho do conselheiro afirmou que não devolveria. “Ele me disse ‘não quero’”. O empresário ainda balançou a escritura e disse: “eu não quero”.
O problema, de acordo com Marta, é que ele pegou a fazenda por R$ 2 milhões, apesar da propriedade estar “avaliada em R$ 100 milhões”. A esperança era cancelar o negócio na Justiça, mas o processo nunca andou na Comarca de Maracaju.
Ao recorrer ao Tribunal de Justiça, a trinca de desembargadores deu a vitória ao sobrinho de Osmar Jeronymo. De acordo com Marta, Diego, acompanhado pelo advogado Félix Jayme Nunes da Cunha, apontado pela Polícia Federal como operador do esquema de venda de sentenças, e de três seguranças, encostou o revólver na cabeça do arrendatário e de caminhoneiros e os expulsou da propriedade.
Gerson Piere chegou a registrar boletim de ocorrência na Delegacia da Polícia Civil em Sidrolândia, mas foi ameaçado novamente e obrigado a retirar a queixa. Nem com a violência, Marta conseguiu convencer a família, amigos e o advogado de que não tinha vendido a Fazenda Paulicéia.
Até a Justiça se virou contra ela, ao obriga-la a provar que recebeu o restante do dinheiro pela propriedade, apesar de insistir que só pagaram R$ 2 milhões.
A briga continua na Justiça, mas Diego Moya Jeronymo saiu do processo ao repassar a fazenda para a agropecuária Água Tirada, de Artêmio Olegário Júnior e José Adolfo Olegário, primos do marido morto em acidente de carro. Eles teriam pago R$ 45 milhões por 320 hectares, segundo Marta.
Briga por justiça
“Essa briga insana não é por causa do dinheiro, por causa da Justiça. Eu fui roubada, não admito corrupção e roubo, vou morrer, mas não vou aceitar isso”, enfatiza Marta, disposta a provar que foi vítima no processo.
Até a Polícia Federal entrar na história, com a deflagração da Operação Mineração de Ouro, em junho de 2021, quando mirou os conselheiros do TCE, pela primeira vez, ela só vivia os dissabores de ter perdido a fazenda.
Inicialmente, uma caminhonete preta passou a rondar sua residência em Campo Grande. Mudou-se de lugar e as perseguições continuaram. “Fiquei trocando de casa”, lembrou, até se mudar para São Paulo em 2023. “Eles perderam o meu rastro”, contou.
No entanto, logo após retornar a Campo Grande, no início do ano passado, os filhos dos magistrados, que ela diz não saber quais eram, localizaram-na na repartição pública onde estava trabalhando. “Fizeram perguntas e me procuraram três vezes”, diz.
Na nova fase, Marta até procurou a Polícia Federal para relatar que não pretende mais se esconder. Atualmente, analisa uma proposta de emprego para voltar a trabalhar como administradora de empresas. E deixa claro seu objetivo: “por 10 anos, eles usaram minha terra, ganharam dinheiro. Eu vou querer cada centavo”, avisa.
Conselheiro negou
O conselheiro Osmar Jeronymo não compareceu para prestar depoimento ao delegado Marcos Damato, da Polícia Federal. Os advogados encaminharam os questionamentos por escrito e negaram que ele tenha cometido os crimes, como falsificação de documento público, corrupção e venda de sentença.