A Justiça do Mato Grosso do Sul reconheceu, em decisão proferida pelo Juizado Especial de Itaporã, a responsabilidade do Estado pela morte de Leandro Trindade dos Santos, que cumpria pena na PED (Penitenciária Estadual de Dourados) e teve 90% do corpo queimado em 2023, por um colega de cela, que justificou o crime afirmando que o interno xingou sua mãe.
A ação foi movida pelos advogados Lucas Soncini Carvalho e Rafael Sales Ribeiro Santos, que acompanharam cada etapa do processo e atuaram em defesa da família.
Sobre o crime, as investigações apontaram que o autor jogou líquido inflamável sobre o corpo de Leandro e, em seguida, ateou fogo com isqueiro. As queimaduras foram extensas e o custodiado precisou ser transferido para a Santa Casa, em Campo Grande - unidade especializada em atendimentos deste tipo.
Para a família, a notícia da morte trouxe revolta, haja visto que o fato ocorreu em um ambiente que deveria garantir proteção mínima aos internos. Documentos anexados ao processo, como laudos periciais, inquérito policial e certidão de óbito, foram essenciais para demonstrar a materialidade do crime e a omissão estatal apontada pela defesa.
Na sentença, o Juizado Especial de Itaporã determinou a condenação solidária do Estado de Mato Grosso do Sul e da Agepen (Agência Estadual de Administração Penitenciária) ao pagamento de R$ 60 mil em danos morais. O montante será atualizado pela Taxa Selic até o pagamento final. A decisão ainda depende de confirmação definitiva, pois cabe recurso.
Os advogados que representam a família destacam que a decisão judicial não se resume a valores, mas ao reconhecimento de uma falha grave que resultou em uma perda irreparável.
“A decisão reconhece a responsabilidade do Estado pela trágica perda ocorrida dentro de um estabelecimento prisional. A indenização não é apenas um valor monetário, mas um reconhecimento formal da falha do sistema e da necessidade de reparação para aqueles que sofrem com a negligência estatal. Para nossa cliente, esta vitória representa o fim de uma longa e dolorosa jornada em busca de justiça”, afirma a defesa.
Para quem acompanhou o caso de perto, a decisão traz uma sensação de que a verdade começa a ser reconhecida, mesmo que ainda haja caminhos jurídicos a serem percorridos.
Autor confessou o crime e deu detalhes
O preso Jeferson Henrique Oliveira Lucas confessou ter ateado fogo no companheiro de cela, Leandro Trindade dos Santos na noite do dia 15 de maio de 2023, enquanto cheiravam o produto altamente inflamável.
“A gente estava cheirando thinner, ele ficou loucão, xingou minha mãe de puta, veio pra cima de mim tentado jogar thinner em mim. Eu peguei a garrafa da mão dele, joguei nele e coloquei fogo com isqueiro, fui mais rápido. Perdi a cabeça e fui cobrar a bronca”, disse Jeferson Lucas, em depoimento à PC (Polícia Civil).
À época, o rapaz foi autuado em flagrante por tentativa de homicídio com emprego de fogo, mas depois da morte de Leandro, o crime foi reclassificado.
Jeferson e Leandro dividiam a cela 13 da galeria linear com outros 18 presos. O autor do crime contou que o thinner exalado por ele e por Leandro estava sendo usado para fazer pintura na cela. Durante o uso do produto, que possui poder alucinógeno, os dois começaram a discutir e Jeferson queimou colega de prisão.
O preso disse à polícia que ajudou os colegas a tentar apagar o fogo no corpo de Leandro usando lençol e coberta molhada, mas só conseguiram conter as chamas quando colocaram a vítima embaixo do chuveiro. Depois, começaram a chutar a grade para atrair a atenção dos policiais penais de plantão.
Leandro Trindade dos Santos foi levado pelos agentes para o setor de saúde da PED. Como o caso era de extrema gravidade, o Samu (Serviço Móvel de Urgência) foi chamado e levou o preso para o HV (Hospital da Vida), em Dourados, e depois, transferido para a Santa Casa, onde faleceu.