Conversas gravadas revelam esquema entre Valdenei Peromalle, o “Nei”, e o escrivão da ativa Jonatas Gusmão
Mesmo aposentado da Polícia Civil de Mato Grosso do Sul desde 26 de novembro de 2013, o escrivão Valdenei Peromalle, 58, continuava ditando as regras no controle de veículos apreendidos em poder da 2ª Delegacia de Ponta Porã, cidade a 313 km de Campo Grande, na fronteira com o Paraguai.
Um dos seis policiais civis presos no dia 25 de abril deste ano na Operação Codicia (ganância, em espanhol), deflagrada pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado), Nei, como o escrivão é conhecido, se tornou espécie de chefe do pátio da delegacia.
Segundo a investigação do Gaeco, Nei e o escrivão da ativa Jonatas Pontes Gusmão, o “Jhow”, controlavam a devolução de veículos recuperados na linha internacional e entregues na 2ª DP. A entrega era feita mediante cobrança de propina. Jonatas também está preso.
Conversas entre os investigados, gravadas pelo Gaeco com autorização da Justiça, revelam detalhes da trama e expõem a forte influência de Valdenei Peromalle na delegacia, onde ele controlava a devolução dos veículos, ditava ordens aos servidores e ainda assinava documentos como testemunha.
Peromalle foi um dos policiais envolvidos na extorsão de R$ 5 mil do casal de Santa Catarina que veio a Ponta Porã em abril do ano passado para pegar de volta uma carreta Scania roubada no Rio de Janeiro e recuperada na fronteira. O caso deu início à Operação Codicia.
“Modelinho”
Transcrições das conversas interceptadas pela investigação e incluídas no processo que já tem 560 páginas detalham a influência de Valdenei Peromalle sobre os veículos em poder da 2ª DP. Era o escrivão aposentado que tinha o controle sobre a papelada a ser preenchida antes da devolução dos bens apreendidos.
No dia 28 de julho de 2021, a estagiária da delegacia ligou para Jonatas Gusmão e questionou sobre os procedimentos para recuperação de veículo roubado em outro estado e apreendido na fronteira.
O escrivão orientou a atendente a procurar Valdenei Peromalle e disse que o policial aposentado tinha o “modelinho” de preenchimento daquele tipo de ocorrência. Ainda reforçou que os dois eram os responsáveis em administrar situações envolvendo veículos apreendidos na 2ª DP de Ponta Porã.
Corregedoria
Em setembro do ano passado, um procedimento da Corregedoria da Polícia Civil sobre veículos apreendidos na delegacia tirou o sono do núcleo do esquema comandado por Peromalle e Jonatas Gusmão.
O escrivão da ativa ligou para o servidor aposentado pedindo orientação sobre como deveria proceder para fornecer explicações relativas à localização de veículos em poder da polícia. Durante as conversas, Jonatas disse a Nei que não estava encontrando um Prisma prata.
Em resposta, Valdenei perguntou se o carro não teria sido encaminhado para alguma leiloeira, “confirmando seu papel de destaque na gestão dos automóveis apreendidos na 2ª DP de Ponta Porã”, afirma o Gaeco.
“Nessa condição, de responsável pelos veículos apreendidos na 2ª Delegacia de Polícia de Ponta Porã, Valdenei Peromalle (“Nei”) serve de intermediário para os procuradores (representantes) das locadoras/seguradoras/leiloeiras, que para conseguirem seu intento, que é o de recuperar (reaver) os automóveis, acabam lhe repassando vantagens indevidas, que posteriormente são divididas entre os demais envolvidos”, diz trecho do relatório da investigação.
“Uns 600 para cada um”
O Gaeco também gravou conversas de Valdenei Peromalle com representante de locadoras de veículos. No diálogo, o escrivão aposentado perguntou se as empresas dão “ajudinha” para quem recupera e devolve veículos apreendidos.
O representante, que se identifica como advogado, disse que as empresas não dão ajuda, mas que ele próprio poderia pagar um “bônus”. Dias depois, em outro diálogo, o representante disse para Nei que estava esperando para ver quanto daria para cada um. “Acho que vai uns 600 para cada um, pra mim, pro cê e pro menino lá”.
A quebra de sigilo bancário revelou que Peromalle recebeu transferência bancária de R$ 1 mil feita por empresa de vistoria de veículos de Curitiba (PR) no mesmo dia em que conversou com o representante das locadoras sobre o pagamento de “bônus”.
Acostumado a lidar com policiais corruptos em várias cidades brasileiras, o advogado deixou claro em conversa com Valdenei Peromalle que o pagamento de propina para liberar veículos não ocorre apenas em Ponta Porã.
“Ô Nei, quando eu vou recuperar um carro, eu dou um café pro policia, eu dou, entendeu? Chamo no particular e falo: “Olha! Eu..vou te dar seu café ai, que cê tá me ajudando a liberar o veículo”, entendeu? Eu falo pro cara numa boa, tranquilo...se ele quiser aceitar bem, se ele não aceitar amém, né...ai eu falo que a empresa mandou um bônus, entendeu? Eu falo assim né”.
A operação
Valdenei Peromalle e Jonatas Gusmão foram presos no dia 25 de abril na Operação Codicia, que investiga crimes de concussão (usar o cargo público para obter vantagem indevida), peculato (se apropriar ou desviar bem público) e tráfico de drogas desviadas do depósito da polícia.
Os outros quatro policiais presos são Adriana Jarcem da Silva, Marcio André Molina Azevedo, Mauro Ranzi e Rogério Insfran Ocampos (perito criminal). Também estão presos os irmãos Ricardo Alexandre Olmedo e João Batista Olmedo Júnior e Marcos Alberto Alcântara – supostos compradores de maconha desviada da delegacia.
FONTE: CAMPO GRANDE NEWS