O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) acolheu recurso do Ministério Público Federal (MPF) e reconheceu a competência da Justiça Federal para o processamento e julgamento de investigação sobre possível crime de racismo religioso praticado por meio da internet.
O caso teve origem em São Paulo e envolve uma publicação ofensiva feita em perfil aberto da plataforma Twitter (atual “X”), em junho de 2023, contendo expressões depreciativas e incitação ao preconceito contra religiões de matriz africana.
De acordo com investigação conduzida pelo MPF, a postagem associava práticas e símbolos dessas tradições religiosas a imagens e conceitos pejorativos, com termos de baixo calão e em tom de ridicularização e de estímulo à discriminação. O conteúdo permaneceu disponível publicamente na rede social, podendo ser acessado em qualquer país do mundo, o que ampliou seu alcance e potencial de dano.
O acórdão da 11ª Turma do TRF3 reformou entendimento anterior da 2ª Vara Criminal Federal de São Paulo, que havia declinado da competência em favor da Justiça Estadual. O juízo de primeira instância argumentou que o delito não ofenderia bens ou interesses da União, e que o caso não se enquadraria nas hipóteses de racismo de Tratados Internacionais assinados pelo Brasil. Considerou, ainda, que a mera utilização da internet ou a incerteza sobre o local de consumação não seriam suficientes para justificar a atuação da Justiça Federal.
O colegiado acolheu integralmente o posicionamento do MPF expresso em parecer da Procuradoria Regional da República da 3ª Região (PRR3), sustentando que o caso possui alcance transnacional, uma vez que o conteúdo foi publicado em rede de acesso global e, portanto, enquadra-se na competência da Justiça Federal.
O Tribunal também reconheceu que o delito está previsto em tratados e convenções internacionais ratificados pelo Brasil, como a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (Decreto nº 65.810/1969) e a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância (Decreto nº 10.932/2022). O acórdão do TRF3 ainda destacou que, com a Lei nº 14.532/2023, a motivação religiosa passou a integrar expressamente o crime de racismo, abrangendo manifestações ofensivas dirigidas a religiões afro-brasileiras.
O chamado “racismo religioso” constitui forma de discriminação que atinge tanto a dimensão étnico-racial quanto a liberdade de crença, e deve ser tratado com a mesma gravidade que o racismo tradicional. A decisão reforça a atuação do MPF no combate à intolerância e à discriminação nas redes sociais, garantindo que casos de repercussão potencialmente internacional sejam investigados sob a jurisdição federal e em conformidade com os compromissos internacionais de proteção aos direitos humanos assumidos pelo Brasil.