As investigações da Polícia Federal que culminaram na Operação Ultima Ratio, deflagrada nesta quinta-feira (24), flagraram indícios de possível negociação de decisão judicial envolvendo o advogado Felix Jayme Nunes da Cunha a favor do então prefeito de Bodoquena, Jun Iti Hada, o Dr. Jun, em 2016, junto a desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul.
O processo é relativo ao julgamento de revisão criminal proposto para reverter acórdão proferido em que o médico Dr. Jun foi condenado criminalmente pela prática de dois crimes de falsa perícia em concurso material. O Ministério Público Estadual manifestou-se pelo não conhecimento da revisão por não restarem preenchidas as hipóteses taxativas do artigo 621 do Código de Processo Penal. No tocante ao mérito, opinou pela improcedência do pedido formulado, mantendo-se a condenação criminal.
Conforme relatado em decisão do ministro Francisco Falcão, do Superior Tribunal de Justiça, a PF flagrou conversa entre o então prefeito e o advogado supostamente negociando a compra de sentença.
As informações foram extraídas de materiais apreendidos em poder do advogado Felix Jayme, em 2021, no cumprimento de mandados de busca expedidos no bojo do inquérito da Operação Mineração do Ouro.
No diálogo, o advogado diz para seu cliente: “Ta barato prefeito. Vale”, aduzindo ainda que “… é muita gente envolvida p dar certo”, aparentemente se referindo ao valor da decisão a ser comprada e ao fato de diversos magistrados estarem envolvidos no julgamento. A conversa ocorreu em 25 de agosto de 2016.
Dr. Jun questiona se seria possível parcelar em duas vezes. O cliente informa que tentaria “vender umas redes” até quarta-feira, possivelmente na intenção de conseguir o dinheiro, e FELIX anuncia “Blzzz. Vai ficar sem antecedentes”.
Em 14 de setembro daquele ano, o advogado comunica ao prefeito a continuidade do julgamento. “Prefeito, retomou julgamento. Preliminar MP rejeitada unanime p nós. Mérito 3×0 p nos, desembargado Luiz Tadeu pediu vistas.”
Dr. Jun pergunta então se o julgamento não estava 4×0 e o motivo pelo qual estavam pedindo vistas do processo, ao que Felix esclarece “4×0 na preliminar de nao cabimento da revisao, suscitada pelo MP. Hoje concluiu o julgamento da preliminar e começou julgamento do merito, onde…”. O final da fala proferida pelo advogado não foi capturada pelo print da conversa.
A investigação da Polícia Federal aponta que, naquela data, por maioria, foi rejeitada a preliminar de não conhecimento. No mérito, a conclusão do julgamento foi adiada em face do pedido de vista dos autos feito pelo desembargador Luiz Tadeu Barbosa Silva.
Acórdão proferido no dia 14 de dezembro de 2016 afastou a preliminar de não conhecimento da revisão criminal. Por maioria, os desembargadores do Órgão Especial do Tribunal de Justiça julgaram procedente o pedido de revisão criminal para tornar insubsistente a condenação decretada, absolvendo o prefeito Jun Iti Hada, o Dr. Jun.
Tomaram parte no julgamento os desembargadores Dorival Renato Pavan, Vladimir Abreu da Silva, Luiz Tadeu Barbosa Silva, Fernando Mauro Moreira Marinho, Claudionor Miguel Abss Duarte, Divoncir Schreiner Maran, Tânia Garcia de Freitas Borges, Osme Dias Lopes, Carlos Eduardo Contar, Sérgio Fernandes Martins, Sideni Soncini Pimentel e Marco André Nogueira Hanson.
Para a Polícia Federal, as informações expostas apontam fortes indícios de compra da decisão judicial. Ao proferir para o seu cliente “Ta barato prefeito. Vale” e “… é muita gente envolvida p dar certo”, o advogado Felix Jayme Nunes da Cunha aparentemente se referia ao valor da decisão a ser comprada e ao fato de diversos magistrados estarem envolvidos no julgamento. Robustecem tais indícios a seguinte frase dele: “Vai ficar sem antecedentes”.
Os investigadores apontam que há registros de frequente realização de depósitos e saques em dinheiro em espécie por parte do advogado Felix Jayme Nunes da Cunha, inclusive em datas próximas aos julgamentos sobre os quais recaem suspeita de negociação acerca do teor das decisões judiciais.
Felix Jayme foi um dos alvos da Operação Ultima Ratio. A PF pediu a prisão preventiva do advogado, mas foi negado pelo ministro Francisco Falcão.
Além mandar a PF recolher dinheiro, documentos, computadores e dinheiro, o ministro do STJ determinou o afastamento de cinco desembargadores do Tribunal de Justiça de MS e o monitoramento por meio de tornozeleira eletrônica: Sérgio Martins, Sideni Soncini Pimentel, Marcos José de Brito Rodrigues, Vladimir Abreu da Silva e Alexandre Bastos.
Também afastou Osmar Domingues Jeronymo e o juiz Paulo Afonso de Oliveira, da 2ª Vara Cível de Campo Grande.
Os investigados estão proibidos de acessar as dependências do TJMS e de contato com funcionários do tribunal. Para a fiscalização do cumprimento das condições, foi imposto o monitoramento eletrônico dos alvos da operação.
Em nota, o TJMS afirma que “os investigados terão certamente todo o direito de defesa e os fatos ainda estão sob investigação, não havendo, por enquanto, qualquer juízo de culpa definitivo”.
A OAB-MS (Ordem dos Advogados do Brasil seccional Mato Grosso do Sul) criou uma comissão para acompanhar as investigações que estão sendo apuradas pelo Superior Tribunal de Justiça.
“O Tribunal de Ética da OAB/MS aguardará o recebimento das informações acerca dos profissionais citados para a devida apuração. A OAB/MS reafirma seu compromisso com a transparência, ética e combate a corrupção, sempre na estrita obediência dos principados da legalidade, contraditório e ampla defesa”, diz a entidade.