Oito desembargadores do TRT (Tribunal Regional do Trabalho) da 24ª Região decidiram afirmar por unanimidade, após o julgamento de recurso ordinário, o afastamento concedido provisoriamente no ano passado às empregadas lactantes que trabalham de forma presencial em ambiente insalubre no HU (Hospital Universitário) de Dourados, pelo período de até dois anos e sem a exigência de atestados médicos.
O acórdão alcança as colaboradoras da Ebserh (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares), que administra o hospital, contratadas até 1º de março de 2022, que já eram gestantes ou lactantes e que atuem exclusivamente para a Ebserh. O descumprimento dessa obrigação sujeita a empregadora a multa diária no valor de R$ 1 mil, em relação a cada trabalhadora prejudicada.
“Não foi provado o alegado prejuízo à prestação dos serviços públicos com o afastamento das empregadas lactantes, mesmo porque é inconcebível que a manutenção dos serviços públicos precise ser feita à custa de burla à lei que garante o afastamento do trabalho em local insalubre, o que resultaria em risco à saúde das trabalhadoras e seus filhos, valor protegido constitucionalmente”, destacou o relator, desembargador Nicanor de Araújo Lima, em trecho do seu voto.
O recurso ordinário foi interposto pela Ebserh contra sentença proferida em dezembro de 2022 pelo juiz Marcio Alexandre da Silva, da 2ª Vara do Trabalho de Dourados. À época, o magistrado fixou o montante de R$ 100 mil a título de indenização por danos morais coletivos, valor que terá destinação definida para fins sociais na fase de liquidação/execução da sentença.
“Ressalvo que a empregada gestante até março/2022 (ainda não lactante, portanto) terá direito ao período de afastamento de até dois anos quando implementada a condição de lactante, e durante o período que perdurar a lactação, podendo a empregadora, todavia, exigir a comprovação dessa condição ao longo do tempo de afastamento, diretamente com a beneficiária, sem qualquer tipo de constrangimento às empregadas nem exigência de documentos médicos (bastando, portanto, a simples declaração da empregada, pela máxima da boa-fé contratual)”, sublinhou Silva, ao defender o pleno desenvolvimento, de maneira segura e sem riscos, tanto da mulher quanto do recém-nascido.
Liminar
Em julho de 2022, Marcio Alexandre da Silva concedeu medida liminar, em mandado de segurança impetrado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) contra decisão anterior da 2ª Vara do Trabalho de Dourados, que havia indeferido pedidos de tutela de urgência formulados pela instituição por meio de uma ação civil pública ajuizada em abril daquele ano.
Ao reanalisar os pleitos do MPT, o juiz considerou uma prova oral que apontou outro caminho fático que ultrapassa tanto o tempo limite de seis meses de idade da criança, previsto em dispositivo da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para a concessão de intervalos no período de lactação, quanto o prazo de 12 meses fixado em acordo coletivo de trabalho e aplicável no âmbito da empresa.
Uma testemunha da Ebserh, pertencente ao quadro funcional da empresa desde 2014 e que atua em função gerencial, disse que até março de 2022 as lactantes na unidade de Dourados eram afastadas do labor por até dois anos. Nesse sentido, tinham resguardado o direito de alimentarem seus filhos por tempo consideravelmente maior, sem qualquer necessidade ou exigência de atestado médico, o que assegurava uma condição mais benéfica aderente ao contrato de trabalho delas.
Com base nesse depoimento e no conjunto probatório apresentado pelo MPT no mandado de segurança impetrado em abril, o magistrado reconheceu que “diversas trabalhadoras lactantes foram indevidamente inseridas pela ré em trabalho insalubre, com desconsideração da condição mais benéfica que aderiu aos seus respectivos contratos de trabalho, e em franca contradição o diploma legal que trata da matéria (CLT, 394, III).”
Ainda de acordo com a decisão liminar, caso seja possível, a realização das atividades por essas trabalhadoras se dará mediante adoção de regime de trabalho remoto ou teletrabalho, enquanto durar a condição de lactante.
Ilicitudes
A situação das trabalhadoras lactantes no Hospital Universitário somente ficou conhecida depois que o Ministério Público do Trabalho recebeu denúncia sigilosa, em março de 2022, relatando que mulheres gestantes estariam trabalhando em ambiente hospitalar insalubre.
No entanto, antes disso, em 24 de fevereiro, as servidoras lactantes foram convocadas para retornarem prontamente às atividades, em ambiente insalubre, sendo expostas a diversos patógenos, como o novo coronavírus. Insatisfeitas, todas assinaram, no dia 1º de março, um pedido de esclarecimentos endereçado às unidades competentes do hospital.
Antes de ajuizar a ação civil pública e impetrar o mandado de segurança, o MPT expediu notificação recomendatória à Ebserh (HU-UFGD), propondo a adoção de medidas necessárias para possibilitar o cumprimento de algumas obrigações. Dentre elas, constava não exigir o trabalho presencial das trabalhadoras lactantes, em atividades consideradas insalubres em qualquer grau, enquanto durar o período de lactação. Além disso, a instituição sugeriu que, quando possível, a realização das atividades ocorra mediante regime de trabalho remoto ou teletrabalho.
Em resposta, a Ebserh informou que não atenderia à recomendação, amparada em decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região que concluiu pela garantia à mulher lactante do direito ao afastamento pelo período de seis meses previsto em dispositivos da CLT, inclusive quando se tratar de atividades insalubres em qualquer grau, inexistindo, segundo a empresa, suporte legal ao afastamento em prazo superior.
Ao propor a ação civil pública, o procurador do Trabalho Jeferson Pereira invocou decisão do Supremo Tribunal Federal, no julgamento de uma ação em que a Corte considerou procedente o pedido formulado para declarar a inconstitucionalidade da expressão "quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento", contida nos incisos II e III do artigo 394-A da CLT, incorporados pela Lei nº 13.467/2017. O acórdão transitou em julgado em maio de 2020.
Jeferson Pereira também observou que não somente a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda a amamentação até os 24 meses de idade da criança, mas a própria legislação federal contém orientação nesse sentido, mesmo após a introdução de novos alimentos na dieta dos lactantes e das crianças de primeira infância.