Enquanto o cenário nacional mostra redução de 4,9% das mortes em intervenções policiais, Mato Grosso do Sul teve alta de 107% no comparativo entre 2020 e 2021. O Estado também foi destaque negativo no quesito estupro de vulneráveis, com a maior taxa do País.
De acordo com dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, documento divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, MS registrou 21 óbitos em 2020 decorrentes de intervenção policial (em serviço e de folga). No ano passado, o total dobrou: 44 ocorrências. Em 40 delas, a ação foi de policiais militares (30) e policiais civis (10) em serviço. E quatro com policiais militares de folga.
Em geral, as mortes alimentam comentários efusivos e comemorações nas redes sociais, onde se festeja com a expressão “CPF Cancelado”.
No Brasil, foram 6.145 mortes durante ação policial. O levantamento mostra que, ainda dentro da perspectiva nacional, os negros são desproporcionalmente atingidos: 84,1% das vítimas.
Além de Mato Grosso do Sul, dez Estados tiveram aumento de mortes em confronto com a polícia: Pará (2,6%), Paraíba (33,5%), Paraná (9,1%), Piauí (17%), Sergipe (6,2%), Rio de Janeiro (8,3%), Rio Grande do Norte (4%), Rio Grande do Sul (26,3%), Tocantins (53,9%) e Amapá (32,7%).
Considerando a taxa, a polícia mais violenta do Brasil fica no Amapá, onde a taxa de pessoas mortas pela polícia chegou a 17,1 por grupo de 100 mil habitantes, quase seis vezes a média nacional de 2,9 por 100 mil.
Em contrapartida, São Paulo, foi o destaque positivo, uma vez que reduziu em 30% o total de vítimas de letalidade policial. O cenário é atribuído às mudanças institucionais pelas quais vem passando a Polícia Militar desde meados de 2020, que culminaram com a adoção de câmeras corporais nas fardas dos policiais.
Em terras paulistas, o dispositivo eletrônico motivou um dos muitos debates do espectro bolsonarista. Pré-candidato ao governo de SP, Tarcisio de Freitas (Republicanos), a aposta do presidente Jair Bolsonaro (PL), criticou a medida, que colocaria em risco a segurança dos servidores.
Em Mato Grosso do Sul, o uso de câmeras nos uniformes não chega nem a ser discutido ou entrar na pauta de debate dos pré-candidatos ao governo. A única decisão neste sentido foi da Justiça, determinando o uso de câmeras corporais pelos policiais penais, a medida foi duramente criticada pelo sindicato da categoria.
No País, 190 policiais foram assassinados em 2021, com redução de 12% no comparativo com 2020. Também nessa estatística surge uma questão de cor: 67,7% são negros. Segundo o levantamento, 77,4% dos policiais morreram na folga. Mato Grosso do Sul não teve assassinato de policial em 2021. No ano de 2020, foram quatro óbitos (dois militares e dois civis).
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostra a redução dos assassinatos em Mato Grosso do Sul, essa assim seguindo a tendência nacional. O Estado registrou 581 homicídios doloso em 2020. No ano passado, foram 563 crimes.
Triste infância
Mato Grosso do Sul se destaca pela alta taxa de registro de estupro de vulnerável: 73 casos por cada 100 mil habitantes, seguido por Roraima com 64,8 e o Acre com 50,6. Em número absoluto, foram 2.072 casos, com aumento de 4% em relação a 2020 (1.970).
O estupro de vulnerável é quando a vítima é menor de 14 anos ou pessoas que não possuem discernimento para a prática do ato (enfermidade ou deficiência mental), ou que não possam fornecer resistência.
Também nos casos de exploração sexual e crimes de pornografia os números do Mato Grosso do Sul chamam a atenção. No primeiro, caso a taxa de registro por 100 mil habitantes da faixa etária respectiva chega a 24 para adolescentes entre 15 e 17 anos e 15,2 para vítimas entre 10 e 14 anos, bem maior que a média dos outros Estados.
E no segundo, apesar de São Paulo em números absolutos ser de longe o Estado com mais registros, quando olhamos para a taxa de ocorrência vemos que, de novo, Mato Grosso do Sul, com uma taxa de 16,4 por 100 mil habitantes na faixa etária de 0 a 17 anos, contra 2,4 de São Paulo.
“Olhando os números, a situação do Mato Grosso do Sul é preocupante, mas meu otimismo não resiste a uma provocação: será que eles não estão, na verdade, fazendo um ótimo trabalho de registro e vencendo a subnotificação de forma mais eficiente que os demais? Faço este comentário porque frequentemente me perguntam se a violência sexual contra crianças e adolescentes está aumentando, já que os dados apontam para isso. Sempre respondo que não sei, mas que acredito que o aumento de registros no caso desses crimes é um bom sinal, pois me parece que o que está aumentando é a notificação, não o crime em si. Estamos conseguindo tirá-los da invisibilidade”, afirma Luciana Temer, advogada e diretora-presidente do Instituto Liberta.
O Estado ainda se projeta pela violência contra a mulher. Em MS, Acre e Tocantins, a taxa de feminicídios por 100 mil mulheres, em 2021, foi de 2,6. Mais do que o dobro da taxa nacional: 1,2 feminicídios por 100 mil mulheres.