Diante do risco iminente de uma nova catástrofe humanitária semelhante à que ameaça dizimar o povo Yanomami em Roraima, o governo de Mato Grosso do Sul começou a agir nesta sexta-feira (10) para garantir abastecimento de água aos indígenas de Dourados.
A falta de água enfrentada pelos guaranis-kaiowás e terenas para matar a sede, lavar roupas e cozinhar foi mostrada pelo Campo Grande News em série de reportagens há duas semanas. Famílias inteiras são obrigadas a buscar água em minas enquanto outras apelam para poços caseiros.
“De lá para cá a situação ficou ainda pior e hoje metade da aldeia está sem água”, afirmou ontem ao Campo Grande News o capitão Ramão, da Jaguapiru. Junto com a Bororó, a aldeia forma a Reserva Indígena de Dourados, onde vivem pelo menos 20 mil pessoas.
Promessa
Na manhã de hoje, o vice-governador José Carlos Barbosa (PP) anunciou a criação do grupo de trabalho para tentar levar água aos indígenas da mais populosa reserva do Brasil.
Barbosinha se reuniu com a secretária-adjunta de Turismo, Esporte, Cultura e Cidadania Viviane Luiza, com o presidente da Sanesul Renato Marcílio da Silva e com representantes do Dsei (Distrito Sanitário Especial Indígena) e da Subsecretaria de Políticas Públicas para População Indígena para discutir o problema.
“Esse é o momento de levantar a necessidade e realidade das quase 5 mil residências existentes nas duas aldeias. É a partir desse diagnóstico que poderemos elaborar um projeto, estabelecer e buscar parcerias para levar água a todas as famílias das aldeias”, afirmou Barbosinha.
A responsabilidade de fornecer água nas aldeias é da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), do governo federal. Lideranças das aldeias de Dourados afirmam que o desabastecimento piorou no governo de Jair Bolsonaro.
Segundo a assessoria do vice-governador, o grupo de trabalho pretende visitar a reserva de Dourados em breve, para ouvir a população e fazer diagnóstico da atual situação.
Sesai e a Funasa (Fundação Nacional de Saúde) também irão compor o grupo, fornecendo dados já existentes sobre o quadro atual das aldeias.
“Estamos tendo respaldo para o problema. Já saímos com algum encaminhamento nesse grupo de trabalho e esperamos que dê resultados positivos”, afirmou o coordenador-substituto do Dsei, Elísio Vieira da Silva.
A comunidade indígena responsabiliza diretamente o Dsei pela falta de água nas aldeias. Lideranças ouvidas pela reportagem afirmam que o órgão federal fez pouco caso das reivindicações. O Campo Grande News tentou, por várias vezes, obter resposta das assessorias da Sesai e do Ministério da Saúde, mas não conseguiu retorno.
Sanesul
Ainda segundo o Governo do Estado, a Sanesul ficou encarregada de fazer o levantamento da situação real na Jaguapiru e Bororó.
“Faremos este levantamento para definir uma peça técnica de melhorias. A partir daí, definiremos as responsabilidades de cada ente que cuida dos indígenas para buscar solução definitiva desse problema. É uma atitude pioneira e de grande sensibilidade”, disse Renato Marcílio.
Ao lado da reserva, próximo a uma das áreas de retomadas dos indígenas, na margem da Avenida Guaicurus, existe reservatório da Sanesul com capacidade para 1,5 milhão de litros de água tratada. Os indígenas afirmam que não recebem uma única gota desse reservatório e denunciam que a estrutura é usada como torre de observação por seguranças de fazendeiros.
O diretor Comercial e de Operações da Sanesul Madson Valente, anunciou para ainda hoje uma reunião com equipe da regional de Dourados para iniciar o cronograma de visitas às aldeias.
Esperança
A promessa feita hoje de solução do problema renova as esperanças da comunidade indígena que há anos sofre com a falta de água na reserva de Dourados.
“A gente já tinha decidido com a comunidade que a saída seria bloquear a MS-156 para tentar chamar atenção das autoridades, porque todos os caminhos já tinham se esgotado. Enviamos documentos pedindo socorro, fizemos várias reuniões e nada aconteceu”, afirmou o pastor Valdemir Ribeiro Ramires, presidente do Conselho dos Caciques da Jaguapiru e presidente do Conselho Distrital da Saúde Indígena.
Segundo o pastor, a única forma que a comunidade tem de ser ouvida é bloqueando a estrada, importante via de escoamento da produção entre Dourados e Itaporã e acesso a Maracaju, Campo Grande e à região de Bonito.
“Se eles [governos] não vierem para dentro da aldeia resolver o nosso problema, vamos trancar. É muito triste ver mãe chorando porque não tem água para as crianças beberem, não tem água para fazer comida. Tem mãe que jogou roupa das crianças fora porque não tinha água para lavar”, desabafou Valdemir.
Ontem, o deputado estadual Pedro Kemp (PT) cobrou do MPF (Ministério Público Federal) e do Distrito Sanitário de Saúde Indígena, ações emergenciais na Jaguapiru e Bororó. “Nossa população teme ‘tragédia Yanomami’ em MS”, afirmou.
Baseado em relatos feitos pelas comunidades, população vizinha e indigenistas, o petista denunciou falta de água potável, contaminação do lençol freático e desnutrição nas aldeias.
“Cobramos medidas urgentes para garantir água potável na reserva de Dourados, que enfrenta confinamento, sendo tratada como invisível pelo poder público. Há estação de água potável a poucos metros que atende condomínio e bairros de luxo. Inadmissível!”, afirmou.
Crédito: Campo Grande News