Thiago Geovanni, Demarco Sena, 26, foi condenado a pagar indenização de R$ 100 mil por danos coletivos pela morte do funcionário, Wesner Moreira da Silva, 17, ocorrida no lava-jato onde o rapaz trabalhava, em Campo Grande. Com apoio de outro funcionário, Thiago introduziu a mangueira de ar comprimido nas nádegas do adolescente durante “brincadeira”. Wesner morreu dias depois no hospital. Em março deste ano, Thiago e Willian Henrique Larrea foram condenados a 12 anos pelo crime.
A condenação por danos morais coletivos é da 1ª Turma do TST (Tribunal Superior do Trabalho), para quem a tragédia ocorrida com o jovem representou lesão aos interesses e aos direitos de toda a coletividade.
O episódio aconteceu no dia 3 de fevereiro de 2017 durante suposta “brincadeira” do proprietário e de um ajudante, que consistiu em introduzir o bico da mangueira do compressor de ar nas nádegas do rapaz. Ele passou mal, teve vômitos, inchaço na barriga e, com muita dor, foi encaminhado ao hospital. Dias depois, faleceu após perder uma parte do intestino.
Segundo a imprensa local, a causa da morte seria uma hemorragia interna no esôfago, que teria rompido com a pressão gerada pelo aparelho de ar comprimido.
À época, o MPT (Ministério Público do Trabalho) ajuizou ação civil pública contra a empresa e seu sócio, quando pleiteou, além da indenização por dano moral coletivo, a condenação dos réus por contratar menores de 18 anos para laborar em lava a jato.
A partir dos depoimentos coletados e dos documentos reunidos em inquérito, o MPT concluiu que havia trabalho infantil ou de adolescente no local, agravado pela exposição a abusos físicos, psicológicos ou sexuais e por várias ilegalidades referentes ao meio ambiente e à segurança do trabalho. Para a instituição, a situação gerou “repercussão negativa, insuportável e desproporcional sobre os valores da coletividade”.
O juízo da 1ª Vara de Trabalho de Campo Grande acolheu parcialmente os pedidos constantes da ação civil pública, mas negou o pleito de dano moral coletivo, sob o fundamento de que o prejuízo foi de natureza individual e de que não identificou no caso concreto ofensa à coletividade. A sentença foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região, para quem o falecimento do jovem, embora resultado de atitudes inquestionavelmente reprováveis, demandaria, na esfera trabalhista, provável reparação individual e não coletiva, pelos danos acarretados aos familiares da vítima.
Em sustentação oral junto ao colegiado de 2ª instância, o procurador do Trabalho Celso Henrique Rodrigues Fortes sublinhou que o número de trabalhadores envolvidos na irregularidade não poderia ser o único fator relevante para caracterizar o dano moral coletivo.
“Não se trata aqui de um critério numérico e sim da gravidade dos fatos, do potencial que tais fatos têm de causar uma indignação, uma comoção, uma repulsa tal que a coletividade se sinta aviltada, violada em seus valores mais caros. É o direito de todo trabalhador brasileiro de não ser vítima de violência disfarçada de brincadeira”, realçou Fortes, associando aquele fato a outros casos emblemáticos que provocaram reações da sociedade.
Dano moral coletivo
Para o ministro Hugo Scheuermann, relator do recurso do MPT junto ao TST, não há como dissociar a morte do adolescente das condições de trabalho impostas pela empresa. Ele observou que o labor em lava a jato é insalubre e, portanto, é expressamente vedado a menores de idade tanto na Constituição Federal quando no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990).
O descumprimento dessas normas, a seu ver, configura repercussão social do dano. “O trabalho realizado por menor de idade em condições insalubres ultrapassa a esfera individual de interesse dos trabalhadores, evidenciando-se a lesão aos interesses e direitos de toda a coletividade, relativos à contratação de menor em conformidade com a ordem jurídica vigente”, explicou.
Segundo o relator, não se trata de caso isolado ou mera fatalidade, mas de circunstância que demonstra uma permissibilidade no local de trabalho, com potencial de agredir valores morais de toda a sociedade. “É inadmissível a ‘normalização’ no ambiente de trabalho de práticas vexatórias, cruéis e inegavelmente degradantes, que, no caso, inclusive tinham cunho nitidamente sexual, ainda que sob o pretexto de uma relação de maior intimidade”, concluiu.
O valor da indenização será revertido ao Fundo Municipal para a Infância e a Adolescência (FMIA), em Campo Grande, para financiar projetos de combate ao trabalho infantil, sob a fiscalização do Ministério Público do Trabalho.