Mato Grosso do Sul já se destaca em nível nacional ocupando a quarta posição no ranking de produção de etanol de cana-de-açúcar e a segunda posição na produção do etanol de milho, que juntos somaram 3,8 bilhões de litros na safra passada (75% da cana e 25% do milho). Há uma riqueza invisível, entretanto, que começa a atrair a atenção dos investidores do setor. A vinhaça, até então utilizada somente como biofertilizante, pode ser transformada em biogás e biometano, combustíveis versáteis com uso industrial, veicular, termoelétrico, comercial e residencial.
Apesar de estarem intrinsicamente ligados, biogás e biometano são produtos diferentes, embora resultem do mesmo processo. O biogás é gerado a partir da degradação de matéria orgânica na ausência de oxigênio. No caso da indústria sucroenergética, essa matéria orgânica é a vinhaça. Já o biometano é o produto da purificação do biogás. O processo de purificação envolve a retirada de umidade, gás carbônico e sulfeto de hidrogênio. Obtém-se, dessa forma, um gás com maior poder de combustão e equivalente ao gás natural, quando usado como combustível automotivo.
Os dados que projetam Mato Grosso do Sul como futura potência na produção desses biocombustíveis vêm da dimensão da área plantada de cana-de-açúcar no Estado, que já chega a 800 mil hectares espalhados em 42 municípios, e na quantidade de usinas instaladas e em atividade: 20. O setor responde por 120 mil empregos diretos e indiretos e representa 16% do PIB (Produto Interno Bruto) Industrial.
Na safra 2023/2024 as usinas produziram 3,8 bilhões de etanol de cana-de-açúcar e de milho. Para a próxima safra 2024/2025 a previsão é de aumentar substancialmente esse volume, passando para 4,5 bilhões de litros de etanol, com o milho respondendo por 39% do total, conforme dados da Biosul. E para cada litro de etanol produzido a partir da cana-de-açúcar são gerados 10 litros de vinhaça. Cada metro cúbico de vinhaça produz até 13 metros cúbicos de biogás e para cada 3 metros cúbicos de biogás, após a purificação, produz-se 2 metros cúbicos de biometano.
A coordenadora de Energias Renováveis e Bioindústrias da Semadesc (Secretaria de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação), Mamiule de Siqueira, calculou quanto seria possível produzir de biometano a partir da produção atual de etanol das usinas do Estado. “Considerando o volume produzido na safra desse ano, de 3,8 bilhões de litros de álcool, sendo que 75% do total é de cana-de-açúcar, as usinas instaladas em Mato Grosso do Sul têm capacidade para gerar 126 milhões de metros cúbicos de biometano por safra, ou 345.000m³/dia”, disse.
Adecoagro
Esse enorme potencial começa a ser explorado. A Adecoagro, gigante na produção de alimentos e energia renovável na América do Sul e que possui três usinas de etanol no Brasil, é pioneira na produção de biogás e biometano a partir da vinhaça e patenteou essa tecnologia. O projeto piloto começou em 2010, na usina de Monte Alegre (MG). Foram quatro anos de testes até ajustar o biodigestor e conseguir extrair todo potencial da vinhaça. Em 2018 o projeto veio para a unidade de Ivinhema (MS), com produção em escala para atender a demanda interna.
Atualmente, o biodigestor da planta de Ivinhema produz 6 metros cúbicos de biogás a partir de vinhaça ao dia, que após ser transformado em biometano, movimenta 124 veículos leves, 6 caminhões, 4 motobombas e 1 trator. Isso aproveitando apenas 5% da vinhaça gerada pela usina. Com a substituição de combustível, a Adecoagro economiza 2 milhões de litros de óleo diesel por ano.
Nessa quinta-feira (11), a empresa realizou uma solenidade para anunciar a ampliação de sua produção de biogás e biometano. O evento contou com as presenças do governador Eduardo Riedel, dos secretários da Semadesc, Jaime Verruck; e de Governo, Rodrigo Perez; do deputado estadual Pedro Caravina, prefeitos e vereadores dos municípios vizinhos, clientes e colaboradores. Para o evento vieram os vice-presidentes de Desenvolvimento de Negócios, Leonardo Barridi; e de Açúcar, Etanol e Energia da Adecoagro, Renato Junqueira Santos Pereira.
O investimento que a Adecoagro fará nessa expansão soma R$ 225,7 milhões e pretende multiplicar por cinco a produção de biometano até 2027 com a instalação de dois novos biodigestores. A capacidade de produção passará de 6 metros cúbicos ao dia para 30 metros cúbicos/dia de biogás, e o aproveitamento da vinhaça chegará a 25%. O vice-presidente Renato Junqueira Santos Pereira afirmou que a Adecoagro tem “orgulho por contribuir com o projeto de Mato Grosso do Sul se transformar em Carbono Neutro até 2030 e de contribuir para o progresso da região”. Quando os dois novos biodigestores forem ativados, serão empregados pelo menos mais 100 trabalhadores para o projeto.
O governador Eduardo Riedel também se declarou orgulhoso por ver o desenvolvimento que a Adecoagro trouxe para a região e que se reflete na melhoria da vida das pessoas. Riedel afirmou que o Brasil está inserido no debate mundial com três temas centrais: a transição energética, a segurança alimentar e a sustentabilidade. “Quando temos um projeto como esse da Adecoagro, é natural que o Estado incentive. A meta de se chegar ao carbono neutro significa que teremos um ambiente muito mais saudável e vamos levar bem-estar à vida das pessoas”, completou.
Inovação e pioneirismo
O secretário Jaime Verruck lembrou que o Governo do Estado acreditou e apoiou o projeto “inovador” da Adecoagro há 10 anos. “Começou com uma autorização de pesquisa, foram calibrando o sistema para conseguir chegar ao processo de produção de biometano a partir da vinhaça”, frisou. Foi nesse momento que Mato Grosso do Sul passou a ser no contexto de geração de biometano por meio de resíduos da agropecuária. Já existem 22 biodigestores em atividade no Estado aproveitando resíduos da suinocultura e bovinocultura. A Adecoagro foi a pioneira com a produção utilizando a vinhaça, o que coloca o Estado em um outro patamar.
Verruck salientou que o biometano tem a mesma composição que o gás natural, podendo, portanto, substituir esse combustível em todos os aspectos. E a MS Gás, a empresa de gás de Mato Grosso do Sul, já estuda a compra do biometano gerado pelas agroindústrias para suprir sua demanda. “Só precisamos de um volume maior que possibilite essa negociação”, afirmou. Outro ponto importante que estimula o setor é a isenção do IPVA para carros movidos a biometano e a redução da alíquota do ICMS.
O secretário aproveitou a ocasião e entregou em mãos a Licença Ambiental de Instalação dos novos biodigestores da Adecoagro. “Esse empreendimento está muito ligado ao projeto do Governo de transformar Mato Grosso do Sul em Estado Carbono Neutro, à lógica da transição energética e à inovação. O setor sucroenergético começa a dar os primeiros passos no aproveitamento da vinhaça para produzir biometano. A Adecoagro iniciou, a próxima a implantar o projeto é a Atvos e as outras usinas também começam a olhar esse importante mecanismo de geração de biometano”, afirmou.
Como disse o secretário, outro grupo que já anunciou investimento no setor é o Atvos, que possui três usinas em Mato Grosso do Sul. A Atvos vai implantar biodigestores na usina de Nova Alvorada do Sul com capacidade para gerar 28 milhões de metros cúbicos de biogás por ano. O biogás já vem sendo usado em diversas agroindústrias na geração de energia elétrica. O processo de transformação do biogás em biometano é um negócio que desperta a atenção pelos múltiplos usos desse último combustível.
Potencial nacional
Conforme dados da Cibiogás (Central Internacional de Energias Renováveis), em 2022 havia 936 plantas de biogás no País. O maior número de plantas em operação no país corresponde ao setor agropecuário (77%). Entretanto, a maior produção em volume de biogás está associada ao setor de saneamento (74%), com destaque para os aterros sanitários, responsáveis por 96% do total.
Apesar de apresentar uma contribuição inferior em produção, quando comparado ao setor de saneamento, o setor industrial tem alto potencial de crescimento, asseguram a Cibiogás, indicando como exemplo as usinas de açúcar e etanol. A capacidade de produção de biogás do setor sucroenergético é de aproximadamente 5,2 bilhões de metros cúbicos ao ano. Isso equivale a todo gás natural que o Brasil importou da Bolívia no ano passado, por exemplo.